quarta-feira, maio 23, 2018

Morreu Philip Roth- viva a sua obra

Philip Roth morreu hoje, mas a sua obra sobreviverá durante muitos anos. Ombreando com John Updike, e tal como ele, Philip Roth é daqueles escritores que dá gosto ler, não só pelos livros que escreveu, extraordinários, mas também porque viveu esses livros. No caso de Philip Roth, sendo judeu, numa época em que não existia Israel, os seus primeiros livros eram sobre judeus de alguma forma discriminados, nos Estados Unidos, coisa que hoje em dia até parece caricato, uma vez que os judeus são já de há muito, uma classe religiosa, altamente considerada, seja pela influência que detém, seja pelo seu peso eleitoral. Invariavelmente as personagens principais são judeus, tal como O Complexo de Portnoy, um livro sobre as vivências de um rapaz judeu em Nova Jersey na época da segunda grande guerra, quando existia uma grande comunidade judaica nessa cidade, junto a Nova Iorque, mais precisamente Newark. Curiosamente, talvez seja esta a única ligação a Portugal que podemos extrapolar, porque sucederam aos judeus os emigrantes portugueses, que povoaram os lugares que vêm descritos neste e noutros livros passados em Nova Jersey, como a Pastoral Americana. Neste livro, curiosamente, o judeu é loiro e alto, confundido com um nórdico, um atleta em jovem, que todos os outros judeus admiram, e depois um homem de negócios com uma pequena empresa de produção de meias, portanto um pequeno industrial que ascendeu a um lugar acima da classe de trabalhadores emigrantes judeus. O livro é depois sobre a filha, que é rebelde e se vê envolvida num movimento rebelde que a faz colocar uma bomba na estação de correios local, como protesto contra o "establishment", A partir desse evento, o pai, homem endeusado pelos seus conterrâneos procura remediar o mal feito de todas as maneiras sendo que não o conseguindo chega a um fim trágico. Vale a pena ler o livro, e colocarmo-nos na posição deste pai aflito, que soube lidar com tudo e ser bem sucedido em tudo o que se meteu, menos com esta situação de humilhação a que não tem como aceitar. Outros livros interessantes, são o Plot against America (tradução Conspiração contra a América) sobre uma situação em que os Estados Unidos são aos poucos transformados num país semelhante ao que a Alemanha nazi, antes da guerra, em que os judeus eram perseguidos. Na América, o equivalente ao Hitler, foi Lindberg que ascendeu a Presidente devido a ser um homem que tocava o imaginário dos americano por ter atravessado o atlântico num voo solitário, sendo o primeiro a fazê-lo. Embora uma forma mais suave de xenofobia, nomeadamente em relação aos judeus, impressiona pela inevitabilidade do que se adivinham ser os próximos passos, tais como envio de judeus para trabalhos forçados nos campos. O que é ficção confunde-se neste livro com a política real desses tempos, que foi dominada pelo Macartismo, com a perseguição de muito suposto comunistas, entre eles muitos judeus, e que está personificado no seu livro “I married a communist”. Curiosamente num dos seus melhores e mais conhecidos livros, Human Stain, (Mancha Humana), o racismo acompanha os tempos, neste caso um racismo virtual contra negros, mais concretamente estudantes negros. O politicamente correto, nesta caso como em muitos que se sucedem ao longo dos anos seguintes, numa sociedade com complexos e que procura compensar os erros do passado, leva a que um homem que não é racista seja acusado de o ser, por inadvertidamente ter feito um comentário numa aula em relação a dois estudantes negros, sem intenção. Valeu-lhe no entanto a expulsão da universidade e a perseguição ao longo da vida devido a este episódio. Outros livros mais recentes já versam quase só sobre adultos sem a saga familiar de acompanhamento desde crianças até adultos. O Teatro de Sabbath por exemplo, tem um cunho muito machista que hoje seria pouco tolerado, embora seja também talvez o livro de maior cariz erótico de Philip Roth. Este e de outros livros mais recentes de Philip Roth valeram-lhe, erradamente a meu ver, a fama de machista. O padrão de escrever livros sobre homens mais velhos, acompanha o envelhecer de Philip Roth, culminando em Nemesis o seu último livro que é uma espécie de adeus de Phylip Roth antecipando a sua própria morte ao evocar a sua infância. Assim acabou uma vida cheia de memórias de um homem que as escreve na forma de ficção, melhor do que qualquer outro seu contemporâneo.