domingo, junho 04, 2017

Embalar a investigação e a ciência

A Universidade está (mal) organizada cientificamente. Não me estou a referir organização de regime e tradicional: humanidades/engenharias/ciências. Estou-me a referir à forma como são organizadas as equipas de I&D e que crescem com base nos resultados da investigação e como são avaliadas estas áreas, numa lógica métrica de número de publicações em revistas da especialidade com impacto no meio científico internacional. A questão é também se isto é só um problema das Universidades ou se tem consequências depois a jusante na sociedade e também na produtividade do país e em última análise, no planeta. Estou-me a referir àquilo que já aqui referi como sendo a massificação de publicações, a maior parte com a mesma origem, sem resultados determinantes para a sociedade, senão já se tinha evidenciado algo de novo na sociedade: a descoberta de uma nova vacina ou a descoberta de uma nova forma de tratar doentes com doenças incuráveis no caso de ciências da saúde, ou a descoberta de um novo meio de transporte ou de novas moléculas para novos plásticos (polímeros) completamente biodegradáveis e acessíveis ao consumidor, de forma a não poluírem os mares, no caso das engenharias. São exemplos que nos vêm à mente, um pouco por influência do que lemos nos media como sendo as preocupações da sociedade de hoje. Hoje a ciência é produzida por equipas cada vez maiores e há a perceção que só com muitos recursos, humanos e materiais, é que se consegue chegar a estes objetivos. Sem dúvida que é uma necessidade. No entanto em muitas áreas, devido à abundância de recursos, obtidos com subsídios, o que se obtém são cada vez mais recursos que por sua vez produzem mais do mesmo, para com estes resultados se obterem mais recursos e assim sucessivamente. Assim funcionam por exemplo muitos dos subsídios da União Europeia para a investigação. Sem objetivos claros, sem qualquer exigência a nível de resultados que funcionem "no terreno", e já agora sem preocupações quanto ao futuro dos investigadores que trabalham nestes projetos, uma vez que são usados para fins pouco claros. Depois vêm as emendas a algo que está mal de raiz: propostas de contratar investigadores de forma a que possam fazer o que têm vindo a fazer indefinidamente, mas pelo menos terão um futuro mais seguro em termos financeiros e assim as entidades que promovem este monstro que criaram, as mega-equipas de investigação possam ter a consciência tranquila. O problema é que desta forma o "monstro" continua a ser alimentado uma vez que os investigadores serão profissionais nesta forma de fazer investigação. Pois esta forma de fazer investigação, que não é I&D (investigação e desenvolvimento) mas só I, pode produzir muitas publicações ditas originais, mas não produz nada de radical, que é o que o mundo precisa para resolver problemas sérios das suas populações e da sua sustentabilidade. Há uma expressão que está muito desgastada por ser tão (mal) usada, mas que de facto devia ser tomada a sério, que são os pensamentos "fora da caixa". Sem juntar esta possibilidade aos recursos existentes, temo que nunca mais se saia deste ciclo vicioso, de fazer investigação pelo prazer de o fazer, ou pior, pelas estatísticas, hoje dominadas pelos "rankings". Não é automático obtê-los (os pensamentos, as ideias). Não há muitos "Einsteins" e não há uma fórmula mágica de os produzir. Mas uma coisa é certa, se embalarmos a ciência, em qualquer que seja o sentido da palavra "embalar", não há mesmo maneira de quebrar este ciclo, deste "faz-de-conta" de que estamos a trabalhar para um planeta melhor.