terça-feira, agosto 30, 2016

O Turismo no seu pior

Findas as férias de verão, ficam imagens de um país encostado ao litoral, com a enchente de turistas e dos trabalhadores que servem esses turistas. Com cidades e o interior esvaziado de população, temos um país desequilibrado, como que inclinado. Já com os prédios contruídos no Algarve nos últimos anos, se fosse um barco, o país teria já capotado! Assim, temos só na realidade uma barreira de cimento constituída por esses prédios, que não se resume ao Algarve, abrangendo também a costa de Lisboa e Norte de Portugal, sendo as praias da Póvoa de Varzim e Vila do Conde os piores exemplos, para não falar das torres de Ofir, ainda de pé. Falando do pior do turismo, não podemos deixar de falar da nova tendência dos alugueres selvagens, que retiram a possibilidade do arrendamento a jovens casas que precisam de casa nas grandes cidades ou outros arrendatários para habitação permanente, para não falar dos despejos de idosos dessas casa, uma tendência baseada na especulação dos senhorios e proporcionada por imobiliárias virtuais como o airbnb. Como se tem discutido ultimamente, este é um problema dos centros históricos das cidades como Lisboa e Porto, como já o foi para Barcelona e Berlim, por exemplo. Podia-se aprender como o que de negativo ocorreu com este fenómeno nestas cidades, mas pelos vistos somos lentos a aprender e a atuar. A voracidade da ganância dos especuladores e dos futuros senhorios estrangeiros em ocupar casas em bairros históricos, inicialmente para se reformarem ou passarem férias mas agora para alugar e ganhar dinheiro fácil no aluguer a outros turistas, ainda por cima quando são apoiados generosamente com fundos para a reconstrução das casas, fundos esses que provêm do erário público, é uma realidade assustadora. Teremos as nossas principais cidades transformadas na Disneylândia ou parques temáticos históricos, sem alma nem habitantes residentes? Veremos até onde vai o desleixo das autoridades locais e do governo nesse sentido. Temos ainda o fenómeno dos "bagpackers", que viajam só com um mochila como o nome indica em voos low-cost e se albergam em hostels que crescem que nem cogumelos por essas cidades costeiras portuguesas, abrangendo aos poucos as outras cidades mais pequenas também com património histórico rico; hostels e hotéis também convertidos de antigas moradias ou pura e simplesmente que foram deitadas abaixo, e que pouco ou nada contribuem para a riqueza nacional. Não frequentam restaurantes mas comem fast-foods ou sandes que preparam nos hostels ou quartos alugados, pouco gastam em cafés, nada compram nas lojas de artesanato local e muito menos nas outras, visitam locais para tirarem fotos nos seus telemóveis, muitos de uma forma automática e sem outro objetivo que não seja o de as colocarem nas redes sociais, e de uma forma geral invadem espaços como museus e outros locais de acesso limitado e ruas estreitas de sítios históricos como Alfama em Lisboa, tornando o percurso e o acesso a estes locais cada vez mais difícil e menos apelativo. Há ainda os tuc-tuc, veículos que invadem ruas antes só de acesso aos peões. A voracidade dos bagpackers não tem limites! Antes, estes bagpackers eram jovens e contavam-se por os dedos de uma mão os que encontrávamos e até achávamos piada. Eram os chamados turistas de pé-descalço. Talvez por serem jovens em digressão pré-universitária. Agora, são pessoas de todas as idades, que têm os seus empregos mas que gostam de poupar, e mais, de apregoar o que pouparam (à nossa custa!). Dito isto, também fiz parte dos que rumaram à costa, só por uns dias, como todos os anos, mas não me revejo em qualquer aspeto do que referi nestes apontamentos: não construi nem comprei apartamentos em frente à costa, não fiquei em hostels só com um mochila, não viajo aliás com mochila porque acho que incomoda os outros cidadãos ao entrar em lugares apertados, não apregoo que poupei dinheiro à custa de outros, nem como fast-foods, mas antes vou a restaurantes ou como comida cozinhada em casa (às vezes confesso que faço sandes...).

quarta-feira, agosto 03, 2016

Livros de férias- City of God

Li dois livros durante uma deslocação a uma conferência na República Checa, e recomendo um para férias, "The City of God" de E.L.Doctorow. É o tipo de livro de substância que contrabalança com o vazio intelectual que as férias proporcionam. “City of God”, é um livro que começa de uma forma, sobre a teoria do espaço interligado com o advento do Mundo visto por um pastor anglicano norte-americano. É uma análise surpreendente do "big bang" que o autor procura justificar também com a religião e a formação do Universo pelo grande arquiteto, Deus. Mas sendo de leitura densa, não deixa de ser muito interessante. O teórico passa rapidamente ao relato da vida do pastor, incluindo a sua relação com mulheres, o que chega a ser contraditório á sua conformação religiosa, tratando-se de adultério. Não deixa de ser interessante ao revelar a hipocrisia que existe por esse mundo, ao se pregar uma coisa e fazer-se outra. Também é original o facto do pastor ser judeu de nascimento e pastor cristão quando adulto. Aliás uma grande parte do livro relata o seu passado num ghetto judeu controlado pelos nazis, na Estónia. O que se passava no ghetto e o que os judeus faziam para sobreviver é deveras chocante. Todo o livro incide sobre o cristianismo e o judaísmo, e o mote de partida é um acontecimento intrigante, relativo a uma cruz que é roubada da igreja de Pem, o pastor anglicano, e que acaba no telhado de uma sinagoga. A partir desse episódio, cometido por um desconhecido, toda uma relação se estabelece entre o pastor e o rabi, Joshua, e sua mulher, Sarah. Não querendo divulgar o final do livro, levanto o véu advertindo o leitor para um desfecho inevitável da relação destras três personagens e da condição religiosa de Pem, o pastor anglicano. Na religião, como na ciência, quando se questiona demasiado aquilo que nos ensinaram ou que aprendemos lendo e estudando, acaba-se por ser engolido por uma atitude de crítica constante. Talvez seja mais prudente mantermos sempre uma linha de pensamento constante, por muitas contradições que surjam no caminho a essa "teoria" de base. Talvez esteja enganado, mas penso que esta é a ideia que este livro pretende transmitir.